quinta-feira, 23 de maio de 2013
domingo, 5 de maio de 2013
A história de Aria Tara1
(KATMANDHU, FOTO DE R. SAMUEL)
A história de Aria Tara1
TEXTO SEM AUTORIA DEFINIDA
Em uma longínqua era, num universo chamado Luzes Variadas, apareceu, certa vez, um Buda abençoado de nome Dundubi-svara. Havia, nesse universo, uma princesa chamada Lua da Sabedoria que devotou-se inteiramente ao seu ensinamento. Por um milhão de milhões de anos ela, a cada dia, fez oferendas ao Buda e aos seus incontáveis discípulos, aos sravakas e aos bodisatvas. Quando os frutos de sua prática amadureceram, surgiu-lhe a motivação da iluminação — a manifestação de Bodicita, o desejo de ajudar a todos os seres. Nesta ocasião, alguns monges deram-lhe o conselho:
"Devido a suas raízes de virtude,
se você, neste seu corpo atual,
rezar para em uma próxima vida
tornar-se um homem
e praticar os ensinamentos,
obterá sucesso.
Isso é o que deve fazer, e, ao final,
em corpo masculino,
poderá atingir a iluminação."
A discussão foi grande. Finalmente a princesa falou:
"Não há homens ou mulheres,
Nem ego, nem personalidade ou consciência.
Os rótulos "masculino" e "feminino" não têm essência,
Mas maculam ainda mais este mundo enganoso."
"Muitos desejam a iluminação em corpo masculino,
Mas há poucos que, em corpo feminino, trabalhem
Pelo benefício dos seres sencientes.
Portanto, até que samsara esteja esvaziado,
Trabalharei, em corpo feminino,
para benefício de todos os seres sencientes".
Por um milhão de milhões de anos ela manteve-se no palácio real. Praticou a concentração e a correta atitude com relação aos objetos dos cinco sentidos, e, dessa forma, atingiu a aceitação de que todos os objetos são não-produzidos2 (anutpattika-dharma-ksanti) e atingiu o samadi "salvando todos os seres sensoriais". Pelo poder dessa realização, à cada dia, pela manhã, liberava um milhão de milhões de seres sencientes dos pensamentos mundanos, e nada comia até que eles estabilizassem esta visão. À cada final de tarde, produzia também esta liberação em um número similar de seres sencientes. Devido a isso seu nome anterior foi mudado para "Tara, a Salvadora". Vendo isso, o Tatagata Dundubhi-svara profetizou: Tão pronto você manifestar a iluminação insuperável, será conhecida pelo nome de "Deusa Tara".
Mais adiante, em um eon chamado Vibuda (Expandido), diante do Tatagata Amogasidi, fez o voto de proteger e salvar todos os seres sensoriais de todas as ameaças, pelos infinitos mundos das dez direções.
Concentrando-se no samadi "Derrotando Todos os Maras", a cada dia, durante noventa e cinco eons ela estabeleceu uma centena de milhares de bilhões de líderes de seres sensoriais em diana, e, à cada anoitecer, subjugou um bilhão de Maras, senhores dos céus de Paranirmita-vasavartin. Por isso recebeu os nomes de Tara (Mãe Salvadora), Mãe Amorosa, Veloz Salvadora, e Heroína.
Adiante, em um eon chamado Não-obstruído, o monge Brilho da Luz Imaculada foi consagrado com raios de luz de grande compaixão por todos os Tatagatas das dez direções e, assim, tornou-se Ariavalokita (Avalokitesvara—Bodisatva da Compaixão). Então, novamente os tatagatas das cinco famílias e todos os outros budas e bodisatvas consagraram-no com grandes raios de luz da natureza da sabedoria da onisciência, de tal forma que, da combinação dos raios de luz anteriores com os últimos, como pai e mãe, surgiu a Deusa Tara. Emergindo do coração de Avalokitesvara, ela manifestou a intenção iluminada de todos os Budas em proteger os seres sencientes dos oito grandes medos3.
Mais adiante, no eon chamado Mahabrada (Muito Afortunado), ela ensinou manifestando-se na aparência "Imovível" do estágio de encorajamento. No eon chamado Asanka, pela consagração de todos os Tatagatas das dez direções, tornou-se conhecida como a mãe que origina todos os budas.
Tudo isso em passado muito remoto, em tempos sem início.
Tara responde?
Quando há um problema, isto se dá referido a causas e condições. Quando as causas e condições mudam, o problema muda ou desaparece. Ao focamos Tara, focamos a natureza da espacialidade e luminosidade pura. Nesta, que é a condição natural de nossa mente, os problemas são focados com o olho de verdade (sansc.: Prajna, tib.: Sherab) e mostram sua natureza verdadeira: sonho, ilusão. São como uma bolha, uma faísca atmosférica: surgem e desaparecem, não têm consistência, natureza própria, sustentação.
Quando assistimos um filme, a identificação com os personagens é imediata. Ainda que esteja claro que trata-se de uma ficção, as emoções surgem e somos capazes de nos inflamar. Por um lado isso é completamente ilusório. Por outro lado, tem a beleza da dança da natureza fundamental da mente, produzindo manifestações transitórias e fugazes ao operar sob condições variadas que se sucedem. O que chamamos "realidade da vida" não é diferente.
A realidade das experiências ao assistirmos um filme é criada por uma combinação de causas internas—marcas mentais associadas as seis emoções perturbadoras4 (carma)—e fatores vindos através dos sentidos físicos. Como resultado, surgem medo, esperança, raiva, orgulho, desejo, inveja, avareza, espaço, tempo, justiça, certo e errado. Exatamente o mesmo ocorre quando das experiências "reais".
Quando percebemos a natureza da realidade que está além das transformações e dos referenciais, além de espaço, tempo, nome ou forma, além de propósito, de certo ou errado, todos os jogos passam a ser vistos como o que são: jogos. Atuam pela modulação da energia fundamental indiferenciada. Dão a sensação de realidade pela experiência de fixação que temos neles. São ilusórios porque surgem sob referenciais, faltando-lhes consistência própria. Entretanto, como um sino que soa ao ser tocado, são perfeitos em sua finitude, manifestação maravilhosa da natureza básica atuando sob condições.
O frescor e alívio dessa compreensão são bênçãos de Tara.
Pedindo ajuda
Faça uma lista cuidadosa do que você quer.
Olhe agora a sua lista. Há algo nela que seja permanente? Algo que não possa ser roubado, que não vá estragar, envelhecer ou morrer? Há algo aí que você não tenha que abandonar ao fim da vida ou antes mesmo? Existência cíclica é esta infindável experiência de carência por objetos, situações e pessoas, apenas para mais adiante isto originar mais sofrimento. Em cada corpo, por incontáveis vidas até a extinção completa da ignorância, sucedem-se estas experiências de nascimento-e-morte.
Olhe novamente sua lista. Se o que você está buscando é impermanente, seu esforço apenas movimenta a existência cíclica, essa roda da vida onde a doença, velhice, decrepitude e morte são os estágios finais das ilusões criadas. Foi justo a percepção desse ponto que produziu no príncipe Sidarta a motivação de atingir a liberação da condição de um buda, tornando-se capaz de ajudar efetivamente os outros seres em seu vaguear sem rumo. Esta é a diferença entre os deuses mundanos e os budas: os primeiros nos suprem do que é transitório e resulta em sofrimento, os budas, do que é permanente e libertador. Os budas nos apontam a natureza fundamental de nossa própria mente, idêntica e una com a mente de Tara e todos os budas.
Quando o príncipe Sidarta estava sentado sob a árvore Bodhi sendo atacado por Mara e seus exércitos, os deuses que até então o tinham aconselhado e propiciado seu caminho, impotentes e aterrorizados ficaram ao lado, apenas assistindo. Os deuses estão submetidos à dualidade, à ignorância, à noção de um eu separado, de outros eus, de espaço, tempo, ganho e perda e, portanto, estão sob o domínio de Mara. Tudo o que oferecem está sujeito a doença, velhice, decrepitude e morte. A despeito de seu poder, estão presos à roda de samsara. Ainda que sua vida seja longa, ao final o fruto de sofrimento e morte é também inevitável. Mesmo eles necessitam a iluminação—a transcendência—, pois, não reconhecendo sua natureza verdadeira, atuam por carma, submetidos a Mara.
Foque seu problema e peça clareza a Tara. Peça para que você e todos os seres reconheçam a natureza verdadeira de si mesmos, e que o sofrimento se extinga. Este fruto de liberação não pode ser roubado, nunca será perdido, não pode ser esquecido, não cria rugas, não precisa ser polido. É o fruto que atravessa vida-e-morte, está além de espaço e tempo, além de eu-e-outro, além de todos os universos e, ao mesmo tempo é inseparável de tudo isso. Quando pedir, a liberação que surgir em sua mente é a imediata resposta de Tara. O que mais merece ser pedido? Que outra ajuda haverá para você, para seus filhos, seus pais, seus queridos, quando eles se aproximarem da morte? Tara pode proporcionar esta ajuda, os deuses não. Tudo o que os deuses proporcionaram durante a vida ou que possam neste momento oferecer será inútil.
Isso não se dá apenas no momento da morte. Em realidade, neste exato momento estamos, como o Buda Sakiamuni, sob a árvore bodhi, atacados por Mara. Os deuses jogam flores. Só Tara pode nos oferecer ajuda: a liberação pelo reconhecimento de nossa própria natureza e do aspecto ilusório de tudo o que Mara produz contra nós.
Se achar difícil entender assim, veja: uma criança que grite mãaeee!, irá provocar a imediata solidariedade de quem estiver à volta. Com muito mais razão, quando recitar o mantra de Tara — Om Tare Tam Soha —, Tara e todos os budas imediatamente responderão. Experimente! Você pode usar qualquer mantra, o essencial é focar a mente em Tara e nos budas. É imediato. Quando Om Tare Tam Soha ecoa, o mundo muda e a iluminação torna-se possível.
Mistério? Evidentemente. É como o mar para o sapo que vive preso dentro de um mesmo poço; como concebê-lo tendo o poço como referencial? Nosso poço é a dualidade, a separatividade, os seis venenos. Só isso vemos. A tudo vemos através disso. O que está além da dualidade, além de nossos referenciais, não podemos conceber, até duvidamos, chamamos de mistério. Neste sentido a natureza de buda, ainda que seja nossa própria essência, é inteiramente misteriosa, transcendente que é à dualidade.
Há realidade em Tara?
Qual sua realidade? O que é Tara?
Quando nos defrontamos com os oito grandes medos, nossos olhos buscam Tara. Nada mais nos resta. Pedimos ajuda e Tara nos ampara. Ela nos ampara no sentido condicionado, como os deuses de samsara, presos à roda da vida. Enfim, se os oito grandes medos estão nos perturbando precisamos de socorro. Mas Tara não se limita a este tipo de ajuda. Tara revela-nos simultaneamente nossa verdadeira natureza.
Diferentemente dos deuses mundanos, quando estamos sob a árvore bodhi Tara corre em nosso socorro com o tipo de ajuda mais eficaz. Tara nos transporta para a outra margem, para além de espaço, tempo, nome, forma, dualidade, para a iluminação.
Uma das manifestações de Tara é Prajna-Paramita. A experiência de Avalokitesvara com Prajna Paramita é narrada no Maha Prajna Paramita Hridaya Sutra5. Prajna Paramita traz liberação por oferecer o reconhecimento da realidade última. Forma é vazio, vazio é forma. Forma nada mais é do que vazio. Vazio nada mais é do que forma.
Não é que forma, sendo vazia, não exista objetivamente. Na verdade os critérios de objetividade, como, por exemplo, os trazidos pela ciência e pela nossa experiência cotidiana continuam plenamente válidos. É que a forma, ainda que exista objetivamente, não tem existência absoluta, ou seja, suas qualidades surgem em processos de relação e não dela mesma6. A forma é vazia de existência inerente.
A todos os problemas que enfrentamos, atribuímos existência própria. A compreensão de que os problemas e dificuldades surgem sob condições, não têm natureza própria, é o início da travessia para a margem da iluminação, e possibilita a experiência além da dualidade.
A pura atenção plena é esta experiência. É a forma sutil de Tara. Está além dos referenciais, é espacialidade, vacuidade e compaixão. Por ser o samadhi da iluminação, é a experiência mãe de todos os budas — os vitoriosos.
Tara existe mesmo? Olhando com cuidado, vemos que nossas próprias características pessoais mudam. Nosso ser de amanhã não é o mesmo que o de hoje. Nossa realidade é fugaz e imprecisa. Já Tara tem a natureza além da dualidade, suas faces são a espacialidade, luminosidade e compaixão imutáveis. Sua realidade é palpável, precisa e estável, muito diferente da nossa – fugaz, ilusória, breve7.
Notas do autor:
1. Recontado à partir de "The Golden Rosary, A History Illuminating the Origin of the Tantra of Tara", Taranatha, do ano de 1608, citado em "In Praise of Tara", Martim Willson, Wisdom, Boston, 1996, e de "Comentários Sobre Tara Vermelha", Chagdud Khadro, Rigdzin Editora, Porto Alegre, 1997.
2. Ou seja, não possuem existência independente, por si mesmos.
3. O medo dos elefantes, como projeção da ignorância; do fogo como projeção da raiva; dos leões, como orgulho; dos ladrões, como visões falsas; das enchentes, como avareza; das cobras, como inveja; da prisão como cobiça; e o medo dos demônios, como projeção da dúvida. V. "Comentários Sobre Tara Vermelha", op.cit.
4. Orgulho, inveja, desejo-apego, ignorância-obtusidade mental, aquisitividade-avareza, ódio-raiva. Cada uma dessas características constitui a base cármica para a experiência dos seres sencientes que dá surgimento a cada um dos seis reinos correspondentes de samsara.
5. Sutra do Coração ou Maka Hannya Haramita Shingyo.
6. Para um exame cuidadoso deste ponto, ver "A Cognição Budista"; A.Aveline, Bodisatva nº2 e 3., e também o livro "Jóia dos Desejos".
7. Para praticar a meditação silenciosa, visualizações e recitações de mantras de Tara, de modo geral todos os centros de budismo tibetano podem auxiliá-lo. As práticas de Tara Vermelha podem ser encontradas em várias cidades do Brasil exterior.
A história de Aria Tara1
TEXTO SEM AUTORIA DEFINIDA
Em uma longínqua era, num universo chamado Luzes Variadas, apareceu, certa vez, um Buda abençoado de nome Dundubi-svara. Havia, nesse universo, uma princesa chamada Lua da Sabedoria que devotou-se inteiramente ao seu ensinamento. Por um milhão de milhões de anos ela, a cada dia, fez oferendas ao Buda e aos seus incontáveis discípulos, aos sravakas e aos bodisatvas. Quando os frutos de sua prática amadureceram, surgiu-lhe a motivação da iluminação — a manifestação de Bodicita, o desejo de ajudar a todos os seres. Nesta ocasião, alguns monges deram-lhe o conselho:
"Devido a suas raízes de virtude,
se você, neste seu corpo atual,
rezar para em uma próxima vida
tornar-se um homem
e praticar os ensinamentos,
obterá sucesso.
Isso é o que deve fazer, e, ao final,
em corpo masculino,
poderá atingir a iluminação."
A discussão foi grande. Finalmente a princesa falou:
"Não há homens ou mulheres,
Nem ego, nem personalidade ou consciência.
Os rótulos "masculino" e "feminino" não têm essência,
Mas maculam ainda mais este mundo enganoso."
"Muitos desejam a iluminação em corpo masculino,
Mas há poucos que, em corpo feminino, trabalhem
Pelo benefício dos seres sencientes.
Portanto, até que samsara esteja esvaziado,
Trabalharei, em corpo feminino,
para benefício de todos os seres sencientes".
Por um milhão de milhões de anos ela manteve-se no palácio real. Praticou a concentração e a correta atitude com relação aos objetos dos cinco sentidos, e, dessa forma, atingiu a aceitação de que todos os objetos são não-produzidos2 (anutpattika-dharma-ksanti) e atingiu o samadi "salvando todos os seres sensoriais". Pelo poder dessa realização, à cada dia, pela manhã, liberava um milhão de milhões de seres sencientes dos pensamentos mundanos, e nada comia até que eles estabilizassem esta visão. À cada final de tarde, produzia também esta liberação em um número similar de seres sencientes. Devido a isso seu nome anterior foi mudado para "Tara, a Salvadora". Vendo isso, o Tatagata Dundubhi-svara profetizou: Tão pronto você manifestar a iluminação insuperável, será conhecida pelo nome de "Deusa Tara".
Mais adiante, em um eon chamado Vibuda (Expandido), diante do Tatagata Amogasidi, fez o voto de proteger e salvar todos os seres sensoriais de todas as ameaças, pelos infinitos mundos das dez direções.
Concentrando-se no samadi "Derrotando Todos os Maras", a cada dia, durante noventa e cinco eons ela estabeleceu uma centena de milhares de bilhões de líderes de seres sensoriais em diana, e, à cada anoitecer, subjugou um bilhão de Maras, senhores dos céus de Paranirmita-vasavartin. Por isso recebeu os nomes de Tara (Mãe Salvadora), Mãe Amorosa, Veloz Salvadora, e Heroína.
Adiante, em um eon chamado Não-obstruído, o monge Brilho da Luz Imaculada foi consagrado com raios de luz de grande compaixão por todos os Tatagatas das dez direções e, assim, tornou-se Ariavalokita (Avalokitesvara—Bodisatva da Compaixão). Então, novamente os tatagatas das cinco famílias e todos os outros budas e bodisatvas consagraram-no com grandes raios de luz da natureza da sabedoria da onisciência, de tal forma que, da combinação dos raios de luz anteriores com os últimos, como pai e mãe, surgiu a Deusa Tara. Emergindo do coração de Avalokitesvara, ela manifestou a intenção iluminada de todos os Budas em proteger os seres sencientes dos oito grandes medos3.
Mais adiante, no eon chamado Mahabrada (Muito Afortunado), ela ensinou manifestando-se na aparência "Imovível" do estágio de encorajamento. No eon chamado Asanka, pela consagração de todos os Tatagatas das dez direções, tornou-se conhecida como a mãe que origina todos os budas.
Tudo isso em passado muito remoto, em tempos sem início.
Tara responde?
Quando há um problema, isto se dá referido a causas e condições. Quando as causas e condições mudam, o problema muda ou desaparece. Ao focamos Tara, focamos a natureza da espacialidade e luminosidade pura. Nesta, que é a condição natural de nossa mente, os problemas são focados com o olho de verdade (sansc.: Prajna, tib.: Sherab) e mostram sua natureza verdadeira: sonho, ilusão. São como uma bolha, uma faísca atmosférica: surgem e desaparecem, não têm consistência, natureza própria, sustentação.
Quando assistimos um filme, a identificação com os personagens é imediata. Ainda que esteja claro que trata-se de uma ficção, as emoções surgem e somos capazes de nos inflamar. Por um lado isso é completamente ilusório. Por outro lado, tem a beleza da dança da natureza fundamental da mente, produzindo manifestações transitórias e fugazes ao operar sob condições variadas que se sucedem. O que chamamos "realidade da vida" não é diferente.
A realidade das experiências ao assistirmos um filme é criada por uma combinação de causas internas—marcas mentais associadas as seis emoções perturbadoras4 (carma)—e fatores vindos através dos sentidos físicos. Como resultado, surgem medo, esperança, raiva, orgulho, desejo, inveja, avareza, espaço, tempo, justiça, certo e errado. Exatamente o mesmo ocorre quando das experiências "reais".
Quando percebemos a natureza da realidade que está além das transformações e dos referenciais, além de espaço, tempo, nome ou forma, além de propósito, de certo ou errado, todos os jogos passam a ser vistos como o que são: jogos. Atuam pela modulação da energia fundamental indiferenciada. Dão a sensação de realidade pela experiência de fixação que temos neles. São ilusórios porque surgem sob referenciais, faltando-lhes consistência própria. Entretanto, como um sino que soa ao ser tocado, são perfeitos em sua finitude, manifestação maravilhosa da natureza básica atuando sob condições.
O frescor e alívio dessa compreensão são bênçãos de Tara.
Pedindo ajuda
Faça uma lista cuidadosa do que você quer.
Olhe agora a sua lista. Há algo nela que seja permanente? Algo que não possa ser roubado, que não vá estragar, envelhecer ou morrer? Há algo aí que você não tenha que abandonar ao fim da vida ou antes mesmo? Existência cíclica é esta infindável experiência de carência por objetos, situações e pessoas, apenas para mais adiante isto originar mais sofrimento. Em cada corpo, por incontáveis vidas até a extinção completa da ignorância, sucedem-se estas experiências de nascimento-e-morte.
Olhe novamente sua lista. Se o que você está buscando é impermanente, seu esforço apenas movimenta a existência cíclica, essa roda da vida onde a doença, velhice, decrepitude e morte são os estágios finais das ilusões criadas. Foi justo a percepção desse ponto que produziu no príncipe Sidarta a motivação de atingir a liberação da condição de um buda, tornando-se capaz de ajudar efetivamente os outros seres em seu vaguear sem rumo. Esta é a diferença entre os deuses mundanos e os budas: os primeiros nos suprem do que é transitório e resulta em sofrimento, os budas, do que é permanente e libertador. Os budas nos apontam a natureza fundamental de nossa própria mente, idêntica e una com a mente de Tara e todos os budas.
Quando o príncipe Sidarta estava sentado sob a árvore Bodhi sendo atacado por Mara e seus exércitos, os deuses que até então o tinham aconselhado e propiciado seu caminho, impotentes e aterrorizados ficaram ao lado, apenas assistindo. Os deuses estão submetidos à dualidade, à ignorância, à noção de um eu separado, de outros eus, de espaço, tempo, ganho e perda e, portanto, estão sob o domínio de Mara. Tudo o que oferecem está sujeito a doença, velhice, decrepitude e morte. A despeito de seu poder, estão presos à roda de samsara. Ainda que sua vida seja longa, ao final o fruto de sofrimento e morte é também inevitável. Mesmo eles necessitam a iluminação—a transcendência—, pois, não reconhecendo sua natureza verdadeira, atuam por carma, submetidos a Mara.
Foque seu problema e peça clareza a Tara. Peça para que você e todos os seres reconheçam a natureza verdadeira de si mesmos, e que o sofrimento se extinga. Este fruto de liberação não pode ser roubado, nunca será perdido, não pode ser esquecido, não cria rugas, não precisa ser polido. É o fruto que atravessa vida-e-morte, está além de espaço e tempo, além de eu-e-outro, além de todos os universos e, ao mesmo tempo é inseparável de tudo isso. Quando pedir, a liberação que surgir em sua mente é a imediata resposta de Tara. O que mais merece ser pedido? Que outra ajuda haverá para você, para seus filhos, seus pais, seus queridos, quando eles se aproximarem da morte? Tara pode proporcionar esta ajuda, os deuses não. Tudo o que os deuses proporcionaram durante a vida ou que possam neste momento oferecer será inútil.
Isso não se dá apenas no momento da morte. Em realidade, neste exato momento estamos, como o Buda Sakiamuni, sob a árvore bodhi, atacados por Mara. Os deuses jogam flores. Só Tara pode nos oferecer ajuda: a liberação pelo reconhecimento de nossa própria natureza e do aspecto ilusório de tudo o que Mara produz contra nós.
Se achar difícil entender assim, veja: uma criança que grite mãaeee!, irá provocar a imediata solidariedade de quem estiver à volta. Com muito mais razão, quando recitar o mantra de Tara — Om Tare Tam Soha —, Tara e todos os budas imediatamente responderão. Experimente! Você pode usar qualquer mantra, o essencial é focar a mente em Tara e nos budas. É imediato. Quando Om Tare Tam Soha ecoa, o mundo muda e a iluminação torna-se possível.
Mistério? Evidentemente. É como o mar para o sapo que vive preso dentro de um mesmo poço; como concebê-lo tendo o poço como referencial? Nosso poço é a dualidade, a separatividade, os seis venenos. Só isso vemos. A tudo vemos através disso. O que está além da dualidade, além de nossos referenciais, não podemos conceber, até duvidamos, chamamos de mistério. Neste sentido a natureza de buda, ainda que seja nossa própria essência, é inteiramente misteriosa, transcendente que é à dualidade.
Há realidade em Tara?
Qual sua realidade? O que é Tara?
Quando nos defrontamos com os oito grandes medos, nossos olhos buscam Tara. Nada mais nos resta. Pedimos ajuda e Tara nos ampara. Ela nos ampara no sentido condicionado, como os deuses de samsara, presos à roda da vida. Enfim, se os oito grandes medos estão nos perturbando precisamos de socorro. Mas Tara não se limita a este tipo de ajuda. Tara revela-nos simultaneamente nossa verdadeira natureza.
Diferentemente dos deuses mundanos, quando estamos sob a árvore bodhi Tara corre em nosso socorro com o tipo de ajuda mais eficaz. Tara nos transporta para a outra margem, para além de espaço, tempo, nome, forma, dualidade, para a iluminação.
Uma das manifestações de Tara é Prajna-Paramita. A experiência de Avalokitesvara com Prajna Paramita é narrada no Maha Prajna Paramita Hridaya Sutra5. Prajna Paramita traz liberação por oferecer o reconhecimento da realidade última. Forma é vazio, vazio é forma. Forma nada mais é do que vazio. Vazio nada mais é do que forma.
Não é que forma, sendo vazia, não exista objetivamente. Na verdade os critérios de objetividade, como, por exemplo, os trazidos pela ciência e pela nossa experiência cotidiana continuam plenamente válidos. É que a forma, ainda que exista objetivamente, não tem existência absoluta, ou seja, suas qualidades surgem em processos de relação e não dela mesma6. A forma é vazia de existência inerente.
A todos os problemas que enfrentamos, atribuímos existência própria. A compreensão de que os problemas e dificuldades surgem sob condições, não têm natureza própria, é o início da travessia para a margem da iluminação, e possibilita a experiência além da dualidade.
A pura atenção plena é esta experiência. É a forma sutil de Tara. Está além dos referenciais, é espacialidade, vacuidade e compaixão. Por ser o samadhi da iluminação, é a experiência mãe de todos os budas — os vitoriosos.
Tara existe mesmo? Olhando com cuidado, vemos que nossas próprias características pessoais mudam. Nosso ser de amanhã não é o mesmo que o de hoje. Nossa realidade é fugaz e imprecisa. Já Tara tem a natureza além da dualidade, suas faces são a espacialidade, luminosidade e compaixão imutáveis. Sua realidade é palpável, precisa e estável, muito diferente da nossa – fugaz, ilusória, breve7.
Notas do autor:
1. Recontado à partir de "The Golden Rosary, A History Illuminating the Origin of the Tantra of Tara", Taranatha, do ano de 1608, citado em "In Praise of Tara", Martim Willson, Wisdom, Boston, 1996, e de "Comentários Sobre Tara Vermelha", Chagdud Khadro, Rigdzin Editora, Porto Alegre, 1997.
2. Ou seja, não possuem existência independente, por si mesmos.
3. O medo dos elefantes, como projeção da ignorância; do fogo como projeção da raiva; dos leões, como orgulho; dos ladrões, como visões falsas; das enchentes, como avareza; das cobras, como inveja; da prisão como cobiça; e o medo dos demônios, como projeção da dúvida. V. "Comentários Sobre Tara Vermelha", op.cit.
4. Orgulho, inveja, desejo-apego, ignorância-obtusidade mental, aquisitividade-avareza, ódio-raiva. Cada uma dessas características constitui a base cármica para a experiência dos seres sencientes que dá surgimento a cada um dos seis reinos correspondentes de samsara.
5. Sutra do Coração ou Maka Hannya Haramita Shingyo.
6. Para um exame cuidadoso deste ponto, ver "A Cognição Budista"; A.Aveline, Bodisatva nº2 e 3., e também o livro "Jóia dos Desejos".
7. Para praticar a meditação silenciosa, visualizações e recitações de mantras de Tara, de modo geral todos os centros de budismo tibetano podem auxiliá-lo. As práticas de Tara Vermelha podem ser encontradas em várias cidades do Brasil exterior.
quinta-feira, 2 de maio de 2013
Taranatha: O ROSÁRIO DE OURO
OM SVA STI
Adoração ao Guru!
TARANATHA
(1575-1634)
O ROSÁRIO DE OURO
Que é uma narrativa que mostra com clareza
as origens do Tantra de Tara
Trad. para o inglês atribuída ao
Ven. Sakya Lama Korchen Tulku
editado em xerox contendo o original tibetano
Trad. em Português de R. Samuel
Fev. do ano 2000 (Losar)
Homenagem ao Lama!
Homenagem a todas as coisas que desde seu princípio são incompreensivelmente não diversas!
Homenagem Àqueles que tudo permeiam, principalmente os Grandes Compassivos!
Homenagem à completa liberação de todos os seres!
Homenagem a Vós, Ó Tare, que se tornou a Mãe de todos os Vitoriosos!
Desde este princípio da narrativa do Tantra de Tara, se alguém quiser que se conte suas várias narrativas históricas (deve-se dizer).
Muito tempo atrás, numa Era anterior à qual nada mais havia, o Vitorioso, o Tathágata Dunbubbis'vara, veio à existência passou a ser conhecido como "A Luz dos Vários Mundos".
A Princesa "Lua de Sabedoria" tinha o mais alto respeito por seu Ensinamento, e por dez milhões e cem mil anos ela realizou oferecimentos a este Iluminado, a seus atendentes Sravakas e a incontáveis membros da Sangha de Bodhisattvas.
Os oferecimentos que ela preparava cada dia eram de doze yojanas em cada uma das dez direções, sendo seu valor só comparável a todas as coisas preciosas que podem preencher a distância intermediária do espaço inesgotável.
Finalmente, depois disso, ela despertou para o Primeiro Conceito de Mente Búdica.
Então um monge lhe falou: "Devido a estas virtudes você pode transformar-se num homem".
E a princesa lhe respondeu: "Aqui não existe nem homem nem mulher / nem eu, nem pessoa, nem consciência. / O conceito "homem" e "mulher" não tem essência / nem "auto-identidade", uma "pessoa"ou alguma percepção (como tal), e portanto o apego à idéia de "macho"e "fêmea" não tem sentido. As fracas mentes mundanas estão sempre iludidas por isso".
E dessa forma ela proferiu: "Existiram muitos que desejaram obter a Iluminação na forma de homem, e existem porém poucas que desejaram trabalhar pelo bem-estar dos seres sencientes na forma feminina. Portanto que eu, com um corpo de mulher, trabalhe pelo bem-estar dos seres até que o Samsara se torne vazio".
Então ela ficou em seu palácio por dez milhões e cem mil anos no estado de meditação, sabiamente aplicando sua mente nos cinco prazeres sensíveis. Como resultado disto ela garantiu o sucesso na realização dos dharmas não-originados e também aperfeiçoou a meditação conhecida como "Salvando Todos os Seres Sencientes, pelo poder da qual, cada manhã, ela retirava dez milhões e cem mil seres dos (limites de) suas mentes mundanas.
Então, no eon do Vibuddha conhecido como o Grandioso ela prometeu na presença do Tathágatata Amoghasiddhi a preservar e defender de todo prejuízo todos os seres sencientes na profunda vastidão das dez direções.
Sentada na equanimidade da meditação conhecida como "O completo subjugar de todos os demônios", diariamente, por 95 eons, ela estabilizou as mentes de um bilhão e dez mil milhões de seres em meditação profunda. Cada noite, também, em sua capacidade como Dama do Reino de Kamadeva, ela vencia dez milhões de demônios.
Então ela foi ornamentada com os nomes de "Salvadora", "Defensora", "Rápida", e "Heróica".
E no eon conhecido como "Que tudo abrange", ao monge [Avalokitesvara] chamado "Pura Luz Radiante" foi concedida a mais alta iniciação dos Raios da Grande Compaixão por todos os Tathágatas das dez direções.
[Inicio de um trecho ilegível do xerox: recorremos a outras fontes para prosseguir].
Ela [Tara] tempos depois nasceu da manifestação desses raios de luz de Avalokitesvara e prometeu, para satisfazer o pensamento de todos os Buddhas, a proteger os seres sencientes dos Oito e Dezessseis Grande Medos.
No eon chamado Mahabadra ela passou a produzir Ensinamentos e manifestar textos [volumes] de Dharma.
[Fim do texto ilegível].
Os auto-nascidos volumes aumentavam sozinhos e sem ajuda e com esses Ensinamentos a proclamação da doutrina ascética era conseguida estabilizadamente [no conceito dos] dharmas como incriados.
Além disso, quinhentos Mestres de Yogacara e oito Mahatmas, pregadores da doutrina da "Existência não-real" e outros viram a fisionomia de Manjusri, Avalokitesvara, Matreya etc.
Os textos do grupo dos três Tantras de Kriya, Carya, Yoga e o método Anuttara assim como partes de Tantras da Sabedoria, também proclamados e foram proferidos para aqueles abençoados com a boa fortuna de ter a visão da figura de Vajrassattva e Vajrapani.
Naquele tempo diz-se que todos os que ouviram o Matrayana atingiram Siddhis sem nenhuma exceção.
A Leste de Bhaga o Rei Haricandra junto com mil atendentes atingiu a Perfeição Búdica de Yuganaddah.
No Norte o Rei de Odivisa chamado Munja atingiu o estado de Vidyadhara junto com mil atendentes.
O Rei Bhojadeva, de Malawa, no Oeste, venceu junto com uma corte de mil cortesãos.
No Sul, em Kongkuna, o Rei Haribhadra junto com inumeráveis servos levou à perfeição o siddhi de fazer pílulas etc, e entre cem a duzentos anos (como resultado) mais de cem mil seres atingiram siddhis.
Devido a esta constante proteção de acordo com esta prática secreta nós não temos conhecimentos de outros praticantes que tivessem sido capazes de alcançar siddhis.
Agora, companheiros, recolhendo dos anais e das estórias, alguns dos benefícios da Nobre Arya Tara, da sua Perfeição e de suas Promessas.
Estarão na forma de discursos.
Para proteção dos Dezesseis Grandes Medos.
Ela é Protetora do Medo dos Inimigos.
Ela é Protetora do Medos Leões.
Ela é Protetora do Medo dos Elefantes.
Ela é Protetora do Medo do Fogo.
Ela é Protetora do Medo das Serpentes Venenosas.
Ela é Protetora do Medo dos Bandidos.
Ela é Protetora do Medo dos Muros das Prisões.
Ela é Protetora do Medo das Ondas do Oceano.
Ela é Protetora do Terror dos Ogres Comedores de Carne.
Ela é Protetora do Medo da Lepra.
Ela é Protetora dos Enganos dos Anjos de Indra.
Ela é Protetora do Medo da Pobreza.
Ela é Protetora do Medo da Perda dos Pais.
Ela é Protetora do Medo da Punição Real.
Ela é Protetora do Medo da Vajramissilies.
Ela é Protetora do Medo da Ruína de Nossos Objetivos.
[A seguir, Taranatha faz a narrativa de Dezesseis Estórias relativas a essas Dezesseis Atividades. Essas Narrativas Já estão traduzidas posteriormente e editadas separadamente neste site. Basta voltar e prosseguir].
Chegamos ao final do Profundo Rei do Tantra Mãe e a Fonte da Origem do Tantra de Tara tendo sido escrito de acordo com o preceito dos Gurus por Rgyal. khams.pa Taranatha que preparou esta obra.
Estas palavras foram proferidas quando eu tinha trinta anos de idade no Mosteiro de Gser. moog. can.
QUE A FELICIDADE CRESCA! ALEGRIA!
TARA PROTETORA DO MEDO DOS INIMIGOS
Um Ksatriya da terra de Odivisa acordou certo dia numa gruta onde tinha adormecido vendo-se encurralado por uma companhia de mil soldados inimigos
que brandiam suas espadas contra ele.
Naquele momento ele se lembrou de ter ouvido que Tare era a Protetora contra os Dezesseis Medos, e como ele não tivesse nenhuma outra Deidade na qual tomasse Refúgio ele pensou que puderia ir para a Deusa como sua defesa.
No mesmo momento em que ele clamou por seu nome a Nobre Senhora em Pessoa apareceu diante dele, chegada dos céus.
Debaixo de um furacão com seus pés ela afastou dali os soldados nas dez direções, e assim aquele homem pôde voltar com segurança na sua própria pátria.
TARE PROTETORA DO MEDO DOS LEÕES
Um lenhador entrou na floresta e lá se viu defronte de uma enraivecida leoa que o colocou entre suas mandíbulas e preparava-se para comê-lo.
Suas esperanças desapareciam. Aterrorizado e pânico ele suplicou à Tare que viesse em seu socorro, e ela subitamente apareceu diante dele, coberta de folhas.
Ela o retirou das mandíbulas da leoa e o colocou em segurança no meio do mercado da cidade.
TARE PROTETORA DO MEDO DOS ELEFANTES
Uma garotinha de doze anos de idade foi um dia até a floresta para colher flores e lá ela se viu diante de um feroz elefante chamado Kuni, o qual prendendo-a com sua tromba começava a esmagá-la com suas presas.
Lembrando-se do nome de Tare, a garota rapidamente implorou a Ela que a ajudasse e Tare colocou o elefante sob seu controle.
O animal, então, colocou a garota sobre uma alta pedra e a reverenciou com sua tromba. E tomando-a sobre si levou-a ao centro do mercado da cidade, onde a exibiu para os conselheiros, o Templo e ao redor do palácio do Rei.
O Rei ouviu falar sobre essa garota e vendo que ela tinha uma grande soma de mérito
tomou-a como sua Rainha.
TARE PROTETORA DO MEDO DO FOGO
Um certo proprietário, odiando seu vizinho inimigo, certa noite colocou fogo em sua casa. Este começou a tentar escapar mas não conseguia fugir e naquele instante começou a gritar: "Ó Tare, ó Mãe Tare!".
Então uma bela nuvem azul nasceu por cima da casa, e dela caiu uma contínua chuva como uma canga, pondo a casa completamente livre das chamas.
TARE PROTETORA DO MEDO DAS SERPENTES VENENOSAS
Um dia em certa cidade vivia uma prostituta que tinha recebido um colar de quinhentas pérolas. Ela então contratou um mercador para vendê-lo e foi a meia-noite a casa dele. Saindo de casa ela tomou a estrada e ali aconteceu de roçar um ramo de acácia onde estava enrolada uma venenosa serpente que coleou o seu corpo.
Pela mera lembrança de Arya Tare, a serpente se transformou numa guirlanda de flores que permaneceu viva durante sete dias. Diz-se que depois disso a serpente perdeu o seu veneno branco e mergulhou no rio.
TARE PROTETORA DO MEDO DOS BANDIDOS
Um homem de Gujarat, conhecido como Bharuckcha, era um riquíssimo comerciante.
A caminho da terra de Maru, com cerca de mil camelos e quinhentos bois, todos carregados de mercadorias, ele viu que tinha ido por acaso pelo território de uma quadrilha de bandidos que se sitiavam no meio de uma floresta selvagem. Todos os comerciantes que anteriormente passaram por ali tinham sido saqueados, e seus corpos esquartejados e várias partes colocadas em várias direções. Vários mercadores foram empalados em estacas de madeira e os bandidos, que pareciam demônios, chegavam a comer suas carnes.
Pois aquele mercador estava absolutamente aterrorizado e como não tinha outra proteção começou a suplicar a Tare que o socorresse.
Ela imediatamente apareceu na forma fantástica de "Tare, a heroína", brandindo uma espada e acompanhada de grande exército.
Ela baniu os bandidos para um lugar muito remoto e transformou a morte em vida.
Segundo se conta, depois que os bandidos foram expulsos dali para um exílio, o mercador seguiu com felicidade e voltou para o clã dos Bharukcha.
TARE PROTETORA DAS MURALHAS DAS PRISÕES
O líder de um grupo de bandidos conseguiu entrar no tesouro subterrâneo do Rei. Lá ele encontrou um tonel de cerveja que bebeu, ficando tão bêbado que desfaleceu e dormiu. Dessa maneira ele foi encontrado pelos guardas reais que o puseram amarrado num calabouço. Ali ele experimentou muitos sofrimentos. Por falta de outro protetor ele rezou para Tare e um pássaro de cinco cores desceu do céu, libertando-o de suas cadeias e abrindo a porta do calabouço por si mesma. Estando livre e outra vez ao largo ele voltou para a sua terra natal. Uma noite ele teve um sonho: Uma jovem adornada de diferentes ornamentos apareceu e disse para ele: "Se você chama o meu socorro então você e seus seguidores devem deixar de roubar!" E assim aconteceu que o ladrão e seus quinhentos cúmplices abandonaram suas vidas de crime e, ao contrário, passaram a fazer muitas virtudes.
TARA PROTETORA DAS ONDAS DO OCEANO
No Sul viviam quinhentos mercadores que tomaram três grandes barcos e partiram para a Terra das Coisas Preciosas. Um dos navios, uma balsa, estava carregada de todo tipo de jóias. Chegando à Terra da Madeira de Sândalo Amarelo, os mercadores encheram o segundo barco. Quando eles estavam de volta para casa, o "Detentor do Tesouro do Oceano" ficou irritado com eles e disparou terrível tormenta que os arrastou para longe. Depois de cruzar oceanos de diferentes cores, os navios se defrontaram com vagalhões gigantescos e devastadores. Eles rezavam para Brahma, Vishnu, Shiva, para o deus da lua e para o deus do sol, para Kuvera e para todas as outras divindades mas não conseguiam socorro. A amarração se rompeu e os barcos carregados de jóias e sândalo se perderam, e o barco em que navegavam era arrastado incontrolavelmente para o Oeste.
Então um Upássaca Budista (um praticante leigo) se lembrou de Tara e em mística e reverente voz recitou o mantra de dez sílabas (OM TARE TUTTARE TURE SOHA). Imediatamente apareceu um agradável vento e o barco começou a navegar de retorno, chegando em Dzambuling (Índia) de noite, acompanhado pelos outros dois barcos que traziam as jóias e o sândalo.
TARE PROTETORA DO MEDO DOS OGRES COMEDORES DE CARNE
No Leste havia um templo que era moradia de ascetas para Sravakas da Seita Sendhapi. E aconteceu que cada noite que algum monge ia fora do Templo no circuito dos muros era assassinado, e consequentemente o número de monges daquele templo diminuía.
Um dia um noviço saiu para caminhar quando um ogre canibal negro, horrível e mostrando seus caninos agarrou-o pela cabeça.
O noviço lembrou-se de que os mahayanistas acreditavam em Tare como salvadora dos Oito Grandes Medos, e achou que poderia pedir sua proteção.
Assim ele gritou seu nome.
Uma deusa negra apareceu, brandindo uma espada, e ameaçou o ogre com ela.
O ogre suplicou ao noviço que o perdoasse e ofereceu a ele um pote de ferro completamente cheio de pérolas que ele tinha conseguido na vizinhança.
E desde então isto nunca mais aconteceu naquele templo.
TARE PROTETORA DO MEDO DA LEPRA
Na terra de Kumarksetra, um poderoso Brâmane pegou a lepra e como ele andava por muito lugares e com muitas pessoas ele as contaminou. Cerca de quinhentos brâmanes contraíram a lepra por causa dele. Parentes e médicos fugiam de sua presença como medo de contrair a virulenta doença.Ele acabou tornando-se um mendigo para poder sobreviver.
Um dia, numa estrada, ele viu uma estátua de pedra da imagem da Nobre Árya Tare, e com muita fé que de repente nasceu dentro dele suplicou a ela pela salvação dos quinhentos Brâmanes infectados.
Então aconteceu que um líquido medicinal começou a escorrer sem parar da mão da estátua de Tare, e quando ele se banhou ali com esta medicina ele descobriu que a lepra desaparecia. Diz-se que ele se tornou tão completamente belo como um deus.
TARA PROTETORA DOS ENGANOS DOS ANJOS DE INDRA
Um desses poderosos duendes era protetor de regiões orientais mas na realidade ele era um demônio gandharva que, facilmente irascível, tornava-se um grande obstáculo ao Supremo Dharma por conta da sua proteção: Na gruta da floresta da terra de Mathura viviam quinhentos monges e meditadores Srávakas. Ele moravam ali praticando o supremo Dharma assíduamente. Algumas vezes aquele espírito lhes aparecia como um Brâmane, algumas vezes como uma jovem menina, outras vezes com o corpo de um monge e até mesmo como um yaksa ou um feroz leão. Era também sabido que ele aparecia como um búfalo ou como um leão de oito pernas chamado Sarabha, muito feroz que tinha muitas faces. Ele era um espírito perverso, que usava meios ardilosos e divertidos para distrair os monges de sua prática. O resultado foi que um dos monges perdeu a memória, outro ficou doente e outro mudou sua mente tornando-se outra pessoa. Isto os prejudicou, e eles acabaram passando o tempo em cantoria e danças.
Então, um certo monge, compreendendo o obstáculo causado por aquele espírito mau, lembrou-se de que Tare era conhecida como protetora daqueles terrores e ele arguiu que ela poderia ser de grande benefício para todos.
Ele então fez uns desenhos de Tare e os colocou nas árvores da floresta.
E aqueles monges que tinha sido tomados por inquietas loucuras ficaram calmos e todos eles prestaram homenagem a Ela e se converteram ao Mahayana.
TARE PROTETORA DO MEDO DA POBREZA
Um Brâmane que era extremamente pobre sofria muito com isso. Um dia ele vinha numa rua muito estreita e se viu diante de uma estátua de pedra de Árya Tare. E ele desabafou contando como seus problemas tinham nascido.
Então, apontando um lugar perto do santuário, ela disse que tudo ia mudar e seria recuperado seu tesouro. Então, exatamente onde Ela tinha indicado, o Brâmane encontrou muitos vasos de ouro cheios de pérolas e muitos vasos de prata cheios de várias jóias. Conta-se que em uma semana todo o seu sofrimento devido à sua pobreza se dissipara.
Também certa vez havia um fazendeiro empobrecido que invocou a Nobre Tare e suplicou a Ela. Ela apareceu sob a forma de uma Senhora Coberta de Folhas e profetizou que ele poderia ir para o Oriente. Ele assim fez e, certa noite que dormia no deserto, foi despertado pelos sons de sonantes sinos e viu um cavalo verde, ornamentado por sinos, cavalgando na areia do deserto. Num flash aquele cavalo desapareceu e o fazendeiro, guiado pelas pegadas daquele cavalo, encontrou primeiramente uma porta de prata, depois outra de ouro, depois uma de cristal, a seguir outra de lápis lázuli e, finalmente, uma porta feita das sete preciosas jóias. No reino para o qual as portas se abriam ele tornou-se rei de muitos Nagas e Asuras e experimentou muitos dos seus desejos. Quando ele retornou através das portas ele
voltou para sua terra e percebeu que, durante a sua ausência, três reis tinham reinado em três períodos de tempo, assim se diz.
TARE PROTETORA DO MEDO DE PERDER OS PARENTES
Havia um brâmane que tinha grande número de parentes e grande quantidade de riqueza. Um dia apareceu um certo tipo de doença contagiosa que matou seus filhos, esposa, irmãos de linhagem e também seus tios. Com a mente arrasada de lamentações ele chegou em Varanasi. Ele entrou num sítio onde certos budistas estavam realizando um festival de Tare e uma vez lá ele ouviu a descrição das grandes qualidades da Nobre Senhora. A seu pedido, ele atirou uma mão cheia de flores e quando voltou para casa ganhou uma noiva do Rei de Jayacandra e tornou-se governador. Este Brâmane erigiu cento e oito Templos de Tare e em todos grandes festivais de Tare foram observados.
TARE PROTETORA DO MEDO DA PUNIÇÃO REAL
Na terra de Ayodhya vivia um rico e poderoso proprietário e certa vez por alguma razão o rei se tornou desfavorável com ele acreditando em maledicências que se fizeram contra ele. Este homem, tendo sido vítima de várias imposições reais, foi para Tirahut e depois para a Terra de Camparana, onde o Rei de Ayodhya mandou seus homens procurá-lo. Lá o prenderam e o trouxeram de volta a Ayodhya. Implorando por Arya Tare o proprietário pediu sua ajuda e por sua graça quando seus pés tocaram os degraus da porta isto se transformou em ouro. Quando ele foi colocado na prisão uma chuva de colares de pérolas caiu sobre ele e quando ele ia ser colocado numa estaca para ser empalado a estaca se transformou numa mangueira cheia de frutos e flores. O rei e todos estavam impressionados com tudo isso, visto que aquele homem devia ter muito mérito para que tudo aquilo ocorresse. Então sua punição foi comutada por algo apropriado e ele posteriormente se tornou ministro daquele rei.
TARE PROTETORA DO MEDO DE VAJRAMÍSSEIS
(raios)
Na Terra de Bengala um certo Praticante Budista Leigo (Upásaca) depois que seus dias de trabalho no campo terminaram foi por uma estrada e se deparou com um santuário de um Yaksa. O upásaca esmagou aquilo com o pé e prosseguiu e então o Yáksa ficou irado. Naquela noite vinte e um raios caíram do céu sobre sua casa. E pela mera lembrança do Nome de Tare as línguas de fogo dos raios se transformaram em flores, não molestando seus filhos, sua esposa ou sua propriedade.
TARE PROTETORA DO MEDO DA DESGRAÇA DE NOSSOS OBJETIVOS
Um proprietário foi com toda a sua fortuna para outro país. Lá ele tentou comprar terras do Rei. Ele confiou sua riqueza a um amigo e foi em um navio cruzar o oceano em busca de mais riqueza. Porém, ainda que viajasse por muitos anos em vários continentes daquele oceano, não conseguia encontrar riqueza ou certas mercadorias.Um dia, pelo poder do destino, o barco virou devido aos ventos, nas costas da ilha de Málaca. Lá ele encontrou muito coral e sândalo amarelo que era o de que precisava. Ele carregou o seu barco com essa mercadora e voltou para casa. No caminho, deparou-se com Magangmarsi, um enorme crocodilo da família dos peixes que, com seu nariz de ferro, esmagou o barco. O homem agarrou-se a uma prancha e foi levado pelas ondas até Dzambuling. Ali tentou encontrar outra vez seu amigo, mas quando chegou naquele lugar onde o deixara soube que um tigre o tinha devorado. Aquele homem encheu-se de tristeza e lamentações porque todos os seus planos tinham dado em desgraça e inutilidade. A conselho de outro amigo, ele rezou a Tare e muita fé nasceu dentro dele. Num sonho ela disse para ele: "Vá à praia do Rio Sindhu! Lá tudo o que você procura será encontrado." Seguindo as instruções ele encontrou naquele lugar um vaso que continha todas as coisas preciosas que ele havia descoberto no oceano ocidental recuperadas das águas do rio. E indo à casa de seu amigo morto ele encontrou todo o tesouro que lhe tinha confiado escondido num específico lugar. Depois disso, ele voltou para sua própria pátria e ofereceu um carregamento de sândalo amarelo ao Rei. O Rei em recompensa lhe ofertou a custódia de cinco de suas melhores cidades.
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TARANATHA, segundo Martin Wilson (In praise of Tara. London, Wisdon Publications, 1986. p. 169) nasceu em 1575 e foi um erudito autor de vários livros, entre os quais a História do budismo na Índia. Construiu o mosteiro indiano de Tak-tan e viajou pela Mongólia onde fundou vários mosteiros e onde deve ter falecido.
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Taranatha: O ROSÁRIO DE OURO
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